2.12.07

Electro-homem

O homem que deliza sobre carris tem horários a cumprir.
Às oito desce com consciência, mata a montanha de vergonha, sacode as palavras.
Às dez sobe com todas as ansiosas visões, atropela o mundo com a ansiedade de astronauta.

O electro-homem com rodas nos pés cumpre as obrigações com disciplina.
Ao meio-dia cospe nas mãos, estaciona para comer a meio do percurso, aplaude a luz do sol.
Às duas, em movimento descendente, recolhe as forças que lhe restam, solta um gemido de óleo na rua estreita, desliga os motores.
Às quatro reforma-se a partir da varanda, vê as saias passarem em baixo, bebe um licor acastanhado.

16.11.07

Desmaio

Homens que dispensam conceitos,
dor no braço de bem pensar
o trabalho, a inflamação nos dedos
o estar vivo a qualquer hora da madrugada.

Homens que caminham com o peso da viagem nos pés,
fim do dia, desmaio de luz,
pernas sujas de homens que dispensa leituras
não vai pensar, quer leite,
o fácil e o imediato, quer comer.

Homens como árvores cansadas,
ombros de cortiça

a casa de tédio a cair sobre os homens,
sonhos fora do lugar, meninos,
crianças pequenas a espreitarem cometas.

9.11.07

Sarilhos Pequenos

Um:
Sou o meu maior obstáculo.
Contorno-me para aprender.
Parado em mim qualquer movimento é nulo.

Gosto de pessoas de uma forma irracional.
Quanto mais absurdas,
quanto maior o fosso que nos separa,
melhor.


Dois:
Esse gato de amora na boca,
língua seca, fruto de miar.

9.10.07

As Coimbras

Um:
O homem da guitarra tem medo de uma corda.
Evita-a com insistência, faz contas
de cabeça - dórrémíssol - fala sozinho.

A guitarra do homem tem uma corda a menos.
Afilge-se sem desistência, é fá de si mesma,
toca baixinho.

O medo é a corda que nunca esteve,
a música que a corda dá.


Dois:
Todos os dias são terça-feira à noite,
em letígio com o sol,
no diligência.
Coimbra é um pedaço de luz no canto da mesa
e a mulher sentada que aguarda o fado.

É a conta certa de todos os dias,
matemática da noite de terça.
É hoje: Coimbra.
Cidade à noite, entre ruas apertadas na canção
e o recibo amarelo dos que pagam a manhã
com a música que lhes falta.

É a guitarra pousada sobre a mesa.
E a frase falsa,
poço de adjectivos que a prende aqui.

11.9.07

Teu ajeito

A um de maio, no início de setembro, escrevo-te uma carta de amor para todo o inverno.
Deitados assim, nos gestos um do outro, somos o tempo a passar - a tua saia rodada é o tempo a passar.
A um de maio, nas nuvens de amora, rasgo três versos de ócio, danço seis vezes o fandango e o tempo passa nos teus olhos.

6.8.07

Começou a lua. Não há fim por perto. É uma bola de fogo em extinção, não se queixa e está a arder.
A vizinha de cima atravessa o corredor na sombra de uma barata. A de baixo, com um ângulo de rotação menor, dorme sem sobressalto. A lua fala. Contorna com perícia todas as palavras que a fazem chorar. Diz coisas neutras: a linha pode ser infinita, tenho uma pedra angular no sapato, faltam treze dias para Outubro, ontem tinha mais frio e menos cabelo, há milhões de espécies de insectos no Senegal, não há fim por perto.
A noite é longa, há mais gente embriagada nas ruas e é proibido fumar enquanto não cair um cometa.

25.6.07

Linha azul, transbordo, linha amarela.

um

muita gente sentada, muita gente
junta muita gente de pé

a próxima estação é dos lúcidos,
dos que temem
teus olhos e pele negra
da muita gente que levas
sentada na tua cabeça, junta
a próxima
a próxima paragem sou eu a sorrir-te
sou eu
a parar contigo.


dois

muito céu
as palavras aqui são outras palavras
dizem outra coisa
nas praias
namoros com muito sol
quase sem nuvens vai chover
a linha o comboio no mar,
quase ponte,
falar alto, falar mal,
rir gargalhadas tão alto,
quase cristal,
os bês pelos vês do Porto
que é norte comigo.


três

todos os dias contados
a aviões que cabem na janela grande
a passar

e o resto do dia está cansado
e segue viagem até à Baixa
- e o que resta da Baixa há-de desaparecer:
e troca-se corpo molestado por duas noites onde ficar

e todas as luas por uma manhã de esperança.

11.6.07

O brincador e a ciência



Um fio de luz evade-se pela raíz e é fruto.
Experimento.
Cócegas de lâmpada na tremura do solo fértil.
Experimenta-se.
A tartaruga atravessa a luz e afinal é mosca, hesita entre espécies, patas no solo e afinal nem é tão tarde assim, mesmo voando rente, entre um tubo e uma pinça.
Experimento.
Seis minutos antes de amanhecer, um homem é abatido a tiro numa passadeira dos arredores da cidade grande. Rastejava de cansaço, com uma carga de sono, álcool, neutralidade perante os elixires desesperantes da vida, uma camisa aberta e uma mulher casada. Tiro no peito.
Experimenta-se.
E então o dia de árvores sem sombra.
Experimenta.
O dia do aprender a morrer e ambos
vivos e mortos descobrem que os erros, apesar de
fatais,
experimentam-se.

A partir de hoje, ao serviço da ciência.

6.6.07

















É de um mau gosto extremo não ser feliz em Junho.



fotografia da autoria de Fernando Machado

21.5.07

Escrita Criativa atrapalha sonhos

A Ritmos desmente categoricamente, a notícia avançada pelo jornal Correio da Manhã, que garante a vinda dos Radiohead ao Festival Heineken Paredes de Coura.

Os Radiohead são uma banda que apreciamos, no entanto, não está agendado qualquer espectáculo para este ano, muito menos no Festival Heineken Paredes de Coura, infelizmente!

Perante este facto, lamentamos o teor falso da notícia que só serve para enganar os leitores.

A Organização

Observação poética do plantador: Merda!

17.5.07

Aqui jazz um coração

o dia desponta na estrutura de fogo
ainda agora
ainda agora nasceu e já não há tempo para o erro
bate bate bate
no prato de prata assim plim
com sopro no ouro falta
de ar estica
a corda

janelas por abrir o homem
começa no suspiro do mito apesar
das possibilidades fizeram-no
assim
a arte plim plim bate
assim

para que quer o músico o relógio
os ventos nada podem contra
o saxofone a floresta
densa toca o sino
a cada nova árvore vai-te embora
bicho-da-seda vai-te
rosa-dos-ventos isto
é um pulmão de raiva
é o ar que vos roubo

o dia a preto e branco e verde e ainda
nem tempo para o certo
travessa de agonias experimentais
sopro sopro e muita força
nos braços tanque militar
queimadura profunda
nas impossibilidades dança comigo
centauro a roupa que despes
é uma canção dentro do piano
há um tesouro que apenas
quem o ama pode descobrir elixir
verde como olhos para afinar
as pernas a caminhada não é
vã sobretudo
a do dia nascente

e se na boca
nascesse uma árvore das noites
de chuva raíz
húmida e o violento do próximo
fim do mundo
a beleza sangra não
concede à morte a sensação
de novidade vive-se encanta-se mata-se
e pronto e para isso
há os músicos desconfortáveis
no corpo de homens.

30.4.07

aquele primeiro de maio

Um.
O elefante já não toca o sino.

A águia já não afia o bico no caroço da maçã.
O leão já não paga a salada de zebras por débito bancário.
O nosso circo sofreu uma profunda reestruturação.
O nosso sincero pedido de desculpas.

Dois.
Compre o sol para os óculos que o nosso presidente hoje usa, se faz o favor.
Se amanhã chover, venda-o. O nosso presidente paga com decretos de lei mágicos.
Um mosquito para cada candeeiro, uma arca de sal para conservar as ideias, três quilos de anzol para domesticar o peixe.
E outras soluções mais reais. Sete dias para cada semana, uma cruz de sangue para cada dia.

Três.
É só seguir as ambulâncias amarelas.
Há uma praça com patos desligados à corrente de rio, época de seca, uma feira de cebolas a interromper o fado todas as quintas à tarde, uma ponte de mel, passas o ferrão das abelhas e estás na zona propícia em acidentes.
Depois é só seguir as ambulâncias amarelas.

Quatro.
Sete mais noite igual a sombra mais luz igual a mais consciência menos trevo igual a sorte menos direitos menos seis igual a solidão mais ninguém mais nenhum mais zero mais muro mais tecto mais luz mais porta igual a casa menos o resto menos os sonhos mais sexo menos género igual a profunda desigualdade social.

22.4.07


















Um dia vais olhar-me tão fundo nos olhos que reconhecerás a lua.


Pintura: Ashes (1894), Edvard Munch.

17.4.07














Na Assembleia do Inverno, ocorrência rotineira do Dia da Árvore, as nuvens carregadas de escuros e os trovões de luz continham-se para não aplaudirem em demasia as propostas apresentadas. Cada explosão de palmas significa tempestade, de imediato atribuída ao buraco do ozono que, cada vez mais alvo de documentários, já não tem noites de sossego. Para todos os efeitos o buraco dormia, há que bloquear o entusiasmo.

Um aparatoso e bem conjugado jogo de espelhos transformava três ou quatro nuvens pingadas, mais uma ou outra faísca de relâmpago, numa assembleia infinita. Sobre a mesa, ideias de grandiosidade. Pequenos heróis em auto-elogio, o reflexo traidor, combinado vegetal de multiplicações várias, voto anónimo de braço no ar, viva a Assembleia, viva o debate arrogante do pré-decidido.

Este ano, atacamos em Setembro. Ainda há gente nas praias, surpreendemo-la por todos os flancos, raios de zanga no epicentro do mar, tempestades de vento no miolo da areia, nuvens intactas nas copas das árvores, um sambinha de chuveiro para todo o planeta. Satisfação geral, unitária, quadricular. O silêncio do zelo. Também não gostamos quando o sol se distrai e nos corrompe o Natal com temperatura fora-do-prazo. O cinzento tem um custo. Deixemos a planta florir, por agora.

Uma ala enorme de multidão espreita o relógio ao mesmo tempo, é o próprio orador a sentir que se faz tarde em reflexo. E, porque anoitece, há que ceder a sala aos elementos da Assembleia do Amanhecer. Retiram-se os espelhos, porque esses são realmente muitos.



Pintura: Rainwater dreaming, Moses Fry

7.4.07

Bilhete válido para a carruagem número 531















É uma solução digna como outra qualquer. Quando se sente triste, concentra-se na felicidade das pessoas à sua volta. Espera um comboio, o seu momento reduz-se à espera de um comboio. É uma situação com muitas pessoas à volta.

Concentra-se, quando consegue.

Óculos de sol rasgam uma cara a sorrir, cruza a perna como quem adormece numa praia de espuma. Uma rosa, duas gerberas, dentro de momentos vai passar uma carruagem qualquer, é só uma máquina com ar bélico, aspecto de quem vai descarrilar a qualquer momento e bater em alguém, porque inventam frentes com faróis zangados; certo dia estava a brincar, canta a criança, eu caí e fiz um arranhão no nariz… na peeernnnaaaa.

Concentra-se, às vezes consegue.

Dentro de momentos. Deu entrada na linha um. E, porque deu entrada, ele entrou também. Um Magalhães de chapéu azul, nome escrito com letra à máquina no leitor de faixas, ouve música. Saco com letras chinesas, entre pernas abertas e chinesas de um chinês. No tecto, um espelho escuro reflecte pedaços de uma mulher a ler o jornal, um saco azul quase atropela uma cabeça, chuva estranha a do interior, um rio na margem direita da linha, árvores namoram o rio, uma ponte que me faz imaginar-te sempre que passo por aqui, o teu cais com o qual tanto sonhei, as campainhas que nunca param, no reflexo outra mulher com a mão suspensa nas preocupações da cabeça.

Concentra-se mas às vezes não consegue.

Uma mala de mulher com pele de animal. Parece que ainda lhe vejo as patas, ouço-lhe os gritos, quem o desventrou ainda não enriqueceu. Menina de quatro anos, tranças na coroa do cabelo, loura, vai adormecer no colo do pai. Dentro de momentos vai dar entrada nos braços do pai número um a carruagem oriunda da paz total de menina pequenina com destino ao sono. Efectua paragem nas pontes, nas nuvens capitais de distrito do céu e em todos os sonhos apeadeiros do tempo.

É uma carruagem com muitas pessoas, mas todas diferentes – como pode ele descobrir o denominador comum da felicidade? As mais felizes, se calhar, já adormeceram, o jornal é uma enciclopédia de tragédias, a música do Magalhães é adornada pelas perguntas da avó. Está ali um rapaz, nove bancos à frente, que já tinha visto no metro. Era mais feliz quando tinha a idade e o penteado dele. É para ele que escrevo, para mim quando era como ele. A menina da guitarra não mais foi vista, sentou-se numa carruagem diferente, ela que faz parte deste texto desde o início, mas ninguém o sabia ainda. Comprou bilhete ao mesmo tempo que eu, afinou a guitarra a meu lado, guardou-a depois.

O texto era mais bonito se ele não estivesse triste, ou conseguisse concentrar-se na solução digna. A menina adormeceu, as tranças já podem ser mesmo coroas se ela sonhar com isso. Concentração de fumadores junto à entrada do bar, inalação em movimento. A calçada reflectida no espelho. Azulejos com a palavra retrete posam para a máquina fotográfica de quatro adolescentes histéricas. Museu de carruagens antigas – paga-se para andar? É só um homem, vai perder a paciência e a concentração com coisas banais: ervas, casas solitárias, fumo a sair da chaminé, barulho de copos plástico a serem partidos, joelhos, saias acima dos joelhos, dores de cabeça, ligeira vontade de dormir. Que guardará a avó no saco? Por que continuam verdes as cortinas? Quanto teria que pagar o homem rico para viajar sozinho na carruagem? Para que servem as perguntas?

Quando se concentra nas pessoas à sua volta, fica mais triste. Desiste.

27.3.07

Palavras Cruzadas

Ela
Na vida
Tanto que não mais saiu
Rastejante na ponta de um dedal azul
Ou saiu - esteve de certeza com ele, na vida, com ele, na vida,
Uma vez mais
-
Levantada por um impulso de nuvem
Há cerca de cinco meses de mãos dadas
E nunca mais saiu.

22.3.07

Depois de sair do Cacilherio de Ary

Passam cervejas, vagabundos, artistas,
contribuintes banais, aspiradores.

Disfarçam a sorte, o medo,
pequenos temores.

Despejam o lixo, o cérebro, o erro
e ainda vapores.

Rasgam o tempo, o largo,
a roda, a saia,
são violadores.

9.3.07

A árvore

Não se sabe bem se queria ser como as estrelas, ora brilham aqui ora brilham ali mas sempre para toda a gente, ou se apenas desejava matar a fome à vizinhança. A verdade é que, à sua maneira ramificada no desajeito, lá cumpriu as duas funções igualmente cruciais para a vida humana.

A chave de mudar o mundo

Caminhava sempre de olhos na calçada, sem olhar para a frente nem para trás, sem avançar muito com os passos, sempre com a comichão de querer voar nos pés, até ao dia em que encontrou escondida entre dois tufos de erva selvagem um objecto que cegava de tanto brilhar: era a chave de mudar o mundo.
A partir desse dia, o caminho fez-se com o pescoço inclinado para cima, na busca de uma fechadura entre as nuvens.

E o mundo sempre igual.

Nem para a frente nem para trás. Caminhava para cima com a vontade, trepava cada minuto com níveis acentuados distância do chão. Pisava-o mas não o pisava. Não há cabeças, não há homens distraídos a esconderem-na atrás de um jornal, não há o velho furioso contra quem acaba de chocar com violência, não há os apitos em marcha lenta nem a travagem sonora sobre a passadeira, sobre o sinal vermelho que quase atropelava este cabeça no ar. Tudo é a infinita escadaria da mudança, o acesso ocasional para mudar o mundo.
E ele caminha, caminha com dez passos de distância entre cada pé, vai, vai sempre, língua apontada ao sol, em tom de ameaça de matar o mundo, percorre na vertical dia após dia. Quer abrir a porta, mas… mudar o mundo com quer cor?

25.2.07

Lisboa outra vez





















De cada vez que alguém agarra uma caneta para escrever, é o pânico geral.
Como se a escrita fosse o laboratório de onde emergirá a próxima arma de destruição em massa.
Enquanto algumas dezenas de lisboetas tiram seus dias para falarem sozinhos na pesada linha do metro, eu espalharei palavras de rorret (terror ao contrário), pelos arredores deste ascensor. Enquanto os homens falam, ou dormem, ou olham o vazio, ou consentem a solidão, concretizo minhas aspirações de rorretista num papel grande, em janela próxima deste brinquedo que desce e ascende.
Às vezes dá-me a sensação que se um novo Mozart surgisse com composições de génio, em plena carruagem, ninguém se apercebia. Mas a ideia para este texto era só mesmo a de sorrir e dizer que vou viver na Bica. Em busca da chave de mudar o mundo, verde, com sonhos de Tejo.

29.1.07

A menina do quadro







Na cama também nasce uma flor, despenteada no cabelo, de amanhecer espantado nos olhos. Não é ter sono, é a varanda virada para os barcos da noite. Num escuro tão denso que cada onda é um problema auditivo e o oceano um violento ruído de sal. Mesmo assim, adormece. Cabeça apoiada à esquerda, suspensa no travesseiro alto, à espera que, lá em baixo, junto ao estremecer da parede da janela, passe o último comboio para a madrugada. Mesmo assim, não é seguro que durma inteira. O corpo descansa por turnos e é a vez dos olhos se abrirem e os lábios também. O bater de dentes porque a carruagem já atravessou o frio a 60 à hora e deixou-lhe o corpo a gemer de viagem. Mudança de turno. Mesmo assim, não é seguro que tenha acordado sem excepções. É a vez das mãos tactearem o espaço, três palmos à esquerda, do lado onde melhor assenta o rosto, encontra a boca traçada na linha imaginária ligeiramente diagonal à sua. É doce, porque provou. E mesmo assim dorme e mesmo assim é seguro que beije.

18.1.07

sopra-lhe ternura e desliga

Atravessam a rua com o dobro dos passos porque, para além das quatro pernas, amam-se.

Experimenta o espasmo,
espalha o espanto pelo corpo
como é galopante a espera.

Expira o fumo para uma mesa sozinha
sobra-lhe voz para a certeza no telefone:
dois passos num só
caminham em silêncio para uma chave.

Chegam ao outro lado da rua como o desejo nos vinte dedos da mão. Porque, para além dos dois braços cada, sabem que são quatro.

3.1.07

















é minha ou tua a saliva que largo no travesseiro
pelo teu peito sobem temperaturas de espanto
agora que a luz é opaca e nos refugiamos na sombra um do outro
até que amanheça uma sombra única antes de adormecermos
ou que duas almas iluminadas pela força motriz
olhos nos olhos
sejam duas flechas sem descanso.

o caminho arrepiado de lábios, saliva é do beijo dos dois.

o não saber se é um acordar ou se ainda nem adormecemos
são estrelas ou sol quem bate à janela para entrar
entrelaçados com nós de braço nos braços, não abrir
mas somos marinheiros que abandonam o barco para nadar em céu aberto.



Pintura: Henri de Toulouse-Lautrec; The Bed.