27.7.06




















Se nos roubam é porque nos querem, iludidos por um desejo de mastigar o outro, aprisionados em investidas cerradas a sorrisos alheios, se nos roubam é porque invejam a técnica do sorriso, têm medo dos ratos.
O ladrão não caminha, desloca-se aos pulos - é o medo de que o chão lhe caia em cima, tem pavor da humanidade, só por isso é filho da puta, só por isso rouba como se desse à luz um coelho. Não sonha, se sonhasse tinha umas orelhas maiores e não passava despercebido, ressona com a consciência em voz baixa, deixa dó, plena consciência da merda que é a cada novo assalto,
uma vontade de lhes escrever,
olá como vai?
na testa. oferecer-lhes uma gravata, torná-los estrelas de rock, pendurar-lhes algemas de prata nas orelhas, estilo brinco de argola, fazer-lhes festas na cabeça em vez de os encher de murros, insultá-los ao contrário.
É urgente confundir os sentidos e roubar toda a gente. Mas ao contrário.
Se nos roubam é porque nos desejam.

3.7.06

Casa










Um homem nasce com tudo, nem lhe deram tempo para pedir, deram com ele assim, sentado num buraco verde de quatro pernas. Casa, livro, roupa lavada. Com a alegria de palhaço, de quem nunca conquistou nada, tudo lhe veio colar-se ao corpo, encontraram-no assim, desolado. Observa a roupa rasgada suspensa no skate, com inveja. Já leu três ou quatro romances dos grossos, páginas de açúcar numa diabetes de vida, balões que não rebentam, encontrou-os numa estante, encontraram-no assim, de mãos erguidas para o céu, súplica por tempestades, pastilha elástica colada ao céu da boca.


* The Isle of the dead, Arnold Bocklin