20.6.05

ATOM HEART MOTHER

São gargantas de vento,
um ããhhhhhhhhhh ãáhhhhhhh tornado ar.
Respira, o silêncio respira-te e tu és silêncio com ele.
Um ããhhhhhh aahhhhhhh invocando mar.
Gargantas gementes, assobios de tempestade,
silêncio.

Agrafa-me a luz no peito,
guarda-me em fotocópias de céu.
São Sim, tetizadores gritantes, são sim.

Violências forradas a vermelho,
Brzzzz!
Respirar fundo.

E pelas caixas de seda entrincheiradas nos teus ombros solto a primeira tribo de medos.
Bicos de pés, fornalha acesa, perseguição: palavra anula palavra, comboio fora de circulação, urso parvo contemplativo adjectivado.
Épico sol-i-dão instrumental nas asas de um vulcão. Epicentro de chuva, esse magma, tanta lava, atravessado no credo, encharcado de lama.
Acabaremos todos lá fora, morreremos todos nus no êxtase da nossa canção,
acabaremos todos, concretizar na morte a complexidade da luz,
findaremos todos a cantar:
um ããhhhhhhhhhh ãáhhhhhhh tornado ar.

16.6.05

Tenho o teu retrato na mão.
Pé a pé choro os meninos do mundo
- de olhos no chão - passos tristes.
Tenho um retrato numa mão
E a lágrima de alguém na outra.

Quero ser como aquela máquina que vende o troco
a quem lhe comprar a fome.

Pé ante pé,
Quero ser um conto infantil.
Leve, azul de mar, barco flutuante.
Sem moralismos, sem noites violentas, sem a simplicidade hipócrita da luz, sem costas voltadas, sem reis e rainhas, sem príncipes bonitos, sem princesas perfeitas, sem espadas mágicas (como se alguma arma pudesse estar submersa no encantamento), sem bocas de hidrogénio.

Quero o silêncio de uma criança amada.
Ser conto infantil numa alma
Que semeia amor nas outras.

13.6.05

Adeus, amigo das palavras que nunca se gastarão




Diz homem, diz criança, diz estrela.
Repete as sílabas
onde a luz é feliz e se demora.

Volta a dizer: homem, mulher, criança.
Onde a beleza é mais nova.


Eugénio de Andrade

10.6.05

Não gosto que me digam "o violino de trás está mal, faltam-lhe duas notas" quando estou apaixonado por uma melodia.

4.6.05

Nunca falho uma visita à Lua



Os dias choram e cada um deles é mais prateado que todos os outros. O arco-íris do tempo une todas as lágrimas pelo cordão umbilical - vêm da liquidez dos sonhos, vão dar em mar. São uma família flutuante que avança por espasmos, à superfície. De que lhes servem os corpos se a alma não está completa?
O homem-fuga é um quadrado com rodas sempre a chocar contra toda a gente nas dentuças dos passeios. De que lhe serve o corpo? Por que se servem dele? Acredito que use as mãos mal se esqueça não ser nuvem. Quer jorrar vida, fazer chover sobre os muros a límpida rede de cores. Roubar à pangeia do choro o sal das lágrimas audazes. Ser homem arqueado em direcção à lua.