31.3.05

Só quando tombar. Avisem-me se caio.
Na alma crescem lugares vazios, buracos profundos de ausências. Hei-de fazer um berço para o silêncio, hei-de adormecê-lo nos braços de um qualquer lugar falante. O vento enche de terra os buracos escavados pela saudade, o vento é mais forte que o biombo das palavras. Principalmente quando este não existe.
Eu já tinha dito: os homens deviam comunicar unicamente através da arte. Diriam Olás com manifestações artísticas de encantar e não deviam ter mais nada a dizer.
Não sei muito bem sobre o quê ou para quem,
mas
isto é um aviso.

15.3.05

Trombar III

Crianças lá fora pintam trombas de elfante na macaca. E saltam, saltam, saltam até perderem a vez. Meninos lá fora: não há espaço que não seja pisado pela urgente correria de brincar. Não há chão que não salte com eles.
Elefantes lá fora, em navios, em balões prestes a levantar voo, em canoas de flores, saltam à corda com as riscas das meias das meninas.
Adultos lá fora usam vatas e brincam mais que as crianças sonhadoras.
É este o meu feliz acordar.

9.3.05

Meu amor meu amor (Meu Limão de Amargura)

Meu corpo em movimento
Minha voz à procura
Do seu próprio lamento
Meu limão de amargura
Meu punhal a crescer;
Nós parámos o tempo
Não sabemos morrer
E nascemos nascemos
Do nosso entristecer.

Meu amor meu amor
Meu pássaro cinzento
A chorar a lonjura
Do nosso afastamento.

Meu amor meu amor
Meu nó de sofrimento
Minha mó de ternura
Minha nau de tormento:
Este mar não tem cura
Este céu não tem ar
Nós parámos o vento
Não sabemos nadar
E morremos morremos
Devagar devagar

Ary dos Santos

3.3.05



Vêm ter comigo. Perguntam: como te classificas? por onde vieste? como fizeste para vir? e porquê isto? para quê? e o futuro?
Não sei o que responder e respondo mal: respondo tudo errado sem o querer. Podia ter dito: não respondo, não queiras saber de mim, não é bom que saibam de mim, nem sei se quero. Mas não. Respiro fundo, esfrego os olhos e respondo pacientemente com toda a confiança do não saber o que digo. Do querer dizer.