31.1.05

História e Semiótica das Artes Visuais

Arte: ou personalidade artística: aquele instante preciso em que os dedos deixam de sentir.
Vou comprar um casaco cor-de-mãe para nunca mais ter medo. Pintar esta ideia.
A maior das artes consiste no viver feliz. Juro que li esta frase em algum lado. Juraria. Também Modigliani se enterneceu pelos anjos caídos, apagou-lhes a aura, desenhou-os com cérebro.
"Um pintor autêntico tem o seu modo de imaginar que descobre um mundo novo", é certo.
O que escreve também.
O que escreve em colapso, apaixonado, também.

25.1.05

Telemédia


Arco-ironizou: há um conteúdo léxico, uma aparência e o que se injecta na realidade com pensamentos. Até porque, todos sabemos, a lógica ISO-8859-8 (hebráica) é raínha, mãe, raíz material - o vermelho carne fibra inflamada. Gritos em arco. Mais bits de insuficiência. E, diga-se com sinceridade, puta que os pariu. Eufemismo inteligente para evitar as malcriadices que aptece escrever.
Depois encostou-se lá a um canto e pronto.
La la la la uh! acabou tudo no Moulin Rouge com as carcaças duras sem dinheiro de regresso à máquina de escrever, pura, sem as merdices do multi-mérdia.

17.1.05

Sociologia da Comunicação



Bomba-relógio do tempo, explosão a cada minuto que passa. Não é nada, é só isso: o tempo. Chegou a hora disto e tempo daquilo - ai! como o daquilo passa!, está na disto de partir - o autocarro sinteticamente chega sempre a daquilo, embora às vezes se atrase nos distos. É a vida. Bomba-minuito do tempo, explosão a cada relógio que passa. É o comboio: gente anónima entra sai ou fica. A massa, geração relógio do transporte público das quinze e cinquenta e sete. Os relógios são para cumprir, meus senhores, e as regras para serem acertadas por eles. Regra tal, marcar para as doze e vinte nove, obrigação qual para as treze e cinquenta e três. Tal e qual o relógio, caras massas-homem de Tóquio ou de Barroselas.
Cada movimento seu ponteiro, já dizia o meu avô.
tic tac tic tac tic tac tic tac.

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Potencial cliente número 65870495. Perfil:

Senhor José Boné:
Bem vestido,
pindericamente penteado,
acredita no Pai Natal mas não na retoma económica,
pequena cicatriz no mindinho do pé direito mas ainda mexe ambas as pernas,
dois filhos (uma criança na idade do a e i o u e outra no Estádio sensório-motor segundo Jean Piaget, ambas do sexo masculino [potenciais consumidores de lâminas ou máquinas de barbear]),
nunca efectuou o Teste Projectivo de Porschach,
viaja três vezes por semana em transportes públicos,
disfruta da amizade de três vegetarianos e quatro esfomeadas por carne,
fastfood dia sim dia não,
carrega caixas de uma lado para o outro numa grande superfície comercial,
não se lembra de ter visto o por do sol e desconfia-se que confunda José Régio com uma marca de Bacalhau,
já não come iogurtes nem compra para os filhos porque é divorciado e esses estão sob tutela da mãe,
não pensa voltar a casar ("mais mulheres não, mais mulheres não!"),
sonha com hospitais e partos porque, diz-se, tem um exemplar do "Maternidade" de Almada Negreiros pendurado nas paredes do quarto,
fuma? às vezes sim, às vezes não,
paga renda da casa,
não tem carro e raramente roupa lavada,
penteado risca ao meio com salientes entradas para a progressão da calvice,
sonha com hospitais e com os filhos que deixou de poder visitar,
embebeda-se frequentemente (não esquecer: enviar informação à União Cervejeira e à Rota dos Vinhos) porque, sustenta-se, há um exemplar da pintura "Tempo passado e presente" de Paula Rêgo junto à lareira e ao sofá onde (às vezes não, às vezes sim) fuma e adormece (vender-lhe almofadas novas),
lê jornais,
homem sem idade,
ex-jogador de hóquei em patins no Desportivo das Andorinhas,
sofre de pânico de morrer só, de sofrer sozinho

e é o perfil perfeito para potencial cliente para os nossos produtos que são, bem feitas as contas, o mais importante de tudo. Faz-se uma piada, duas ou três imagens bonitas, um sorriso e ele compra. Nem que tenha que vender o que lhe resta da alma, ele compra.

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10.1.05

Plantaçã0 67##773

Eu até plantava. Mas já nem sei.
Às vezes somos egoístas,
às vezes é mais fácil colher,
às vezes o silêncio não sabe mesmo falar,
às vezes somos sombra.
Eu até já nem sei. Mas planto.

Semeador
Eis que o semeador saiu a semear. E, quando semeava, uma parte da semente caiu ao longo do caminho, e vieram as aves do céu, e comeram-na. Outra parte, porém, caiu em lugar pedregoso, onde não havia muita terra; e logo nasceu, porque não tinha profundidade de terra. Mas, saindo o sol, queimou-se; e, porque não tinha raiz, secou. Outra parte caiu entre os espinhos; e cresceram os espinhos, e a sufocaram. Outra parte enfim caiu em boa terra e frutificou; uns grãos renderam cem por um, outros sessenta, outros trinta. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.
(Evangelho segundo Mateus, capítulo 13, versículos 3 a 9)

7.1.05

História do século XX

"Avante a nação!", distinguiu mãos de lençóis antes de gritar acordado. Já sabe de cor os movimentos: arranhar a perna com as unhas do outro pé, sentir o arrepio do medo na superfície da pele e deixar-se empurrar pelo pesadelo borda da cama abaixo. Sonhou a nação, queimou com nojo a caneta de Molotov Van Ribberntrof, evadiu-se para o alto Mar, cuspiu sangue e pedras dos rins, as mais pequenas e por isso mais livres e soltas sem qualquer compromisso irrescindível com o sistema linfático, queimara com nojo a caneta numa fogueira de cães é importante que se diga, reclamou com os tubarões sem fome, comeu-os, rompeu unilateralmente insensata fidelidade, "a grande mãe pátria", unha partida de tanto a perna sangrar, gritou acordando. Qual é o mal de morrerem, eles são tantos. Névoa, luz vaga, foi a 8 de Maio, penso. Quarenta e cinco mortos. Não, anos. Não sei bem. O sangue não estanca apesar de bem acordado, fora da cama, pés descalços no chão frio, barata feia dentro de um chinelo, Hiroshima fica na China ou na Indochina, calça-o, caminha esmagando-a, levanta a tampa da sanita, urina salpicando tudo de mijo, ou então a 6 de Agosto. Mais vítimas. Ou o mesmo ano. Não sei bem, não me consigo lembrar de tudo, um homem não é uma máquina, deixem-me em paz, o está-se bem social pois claro, evadiu-se para o alto Mar, reparou a rede de pesca cheia de buracos, envolveu-se nela, faz frio muito frio e a rede, nunca se sabe, pode ser quente, enrolou uma ligadura bem apertada no sítio da ferida, chorou,
"Cortina de ferro", distinguiu lágrimas salgadas da água do mar antes de adormecer gritando. Soluçou adormeido, restos de comida e o nome Vitor Emanuel III vieram-lhe à boca, o problema logo se resolveu na magistral sequência de arrotos que se lhe seguiu, dormia - medo a seu lado. Livro de História no chão.