12.1.10

não dou.

é claro que isso é um homem e é óbvio que serve para alguma coisa. é isso que me dizem: ela está pesada, ainda por cima, e não há estrutura óssea que a aguente. é isso: a vida, uma vida de comboio, a brincar às viagens, distâncias, ao silêncio dos percursos.

é claro que um homem se arrisca a morrer num comboio, não conhece os obstáculos, não sabe a que velocidade segue a carruagem e o local exacto onde está move-se a uma velocidade impossível para qualquer geógrafo. é: o homem que nunca está no mesmo local, não está em local algum. sei que finjo. este homem não me interessa particularmente, uso-o para ignorar os meus próprios medos.

é claro que é um homem e é óbvio que os meus medos, hoje, crescem em movimento. é isso que lhe dizem: homem, esgotas-te no teu nome de miragem – foges-te. é isso: se o amor nos esgana, não há limite para a nossa fúria.

o homem adormece na carruagem com um animal morto. é: por que choras tu, pirilampo, se foste condenado à luz. é claro que serve para alguma coisa, inútil seria escrevê-lo. é isso que me diz: fazes-me sentir uma flor, fazes-me sentir uma vassoura ou uma flor com espinhos atravessados na garganta. sentes-me? sinto o meu corpo como um país estrangeiro, diz o homem com uma guerra em marcha, dentro e fora. é isso que eu digo: todos os militares escondem a sua meninice dentro da cabeça do homem.

é isso: há homens que servem para qualquer coisa. é: e outros para os destruir.