31.8.10

Santos (amén!) em discurso directo (I)



Vivo no amor, amores. Vivo no milagre da multiplicação do metal, pobre, eu, vivo. Vivo no cálice do temor, arre!, que inimigos não tenho e se os tenho nada podem contra o pão. Vivo no pequeno ecrã, entre lençóis, porque inventei o ócio no horizonte, dizem, carimbam. Vivo na ignorância dos homens, eu, pobre, vivo na morte, eu, pobre santa padroeira de quantas televisões esburacam o mundo. Vivo num guia muito religioso para turistas adinheirados, eu, um poço de metal, uma atracção, um programa de entretenimento muito antigo entrincheirado em televendas.

Eis Santa Clara, amén!

20.8.10

Estudo (muito mau) para um texto (muito mau) sobre o estudo (muito fraco) para um texto (muito fraco)



Acorda cidade ancorada no sono dos cruzeiros. É manhã quente de Agosto, hoje estão em Lisboa e amanhã em Massamã, desfrutar.
Apresenta-te em francês, na toponímia dos campónios viajantes, ici la lune, c'est la vie, fumega na língua universal do turismo navegante, desfaz-te mas acorda.

Este aqui, monumento centenário, evocando o heroísmo dos que se deixaram a dormir na iminência da fronteira de mais um dia de trabalho. Estátua amada, gananciosa, em pose de modelo decapitado.

Acorda cidade, que só no teu despertar se abre a linha azul do vulcão glaciar, muita vontade nos passos da gente, feições apertadas e nuvens de sossego.

Cidade em pó,
com especial atenção nas entradas e saídas do mostrengo, um mar em fogo de argumentação, pronta a misturar-se com a evidente histeria líquida e colectiva de um barco a vapor e seus passageiros: look my darling, a little flower.

Acorda ruidosa, Lisboa, cospe fogo num rugido de tesão, dissolve o silêncio na neutralidade de um urso, sê quotidiano imperturbável, abana a tua nobilíssima cauda de cão e, acima de tudo, não deixes que te afundem com miminhos.

17.8.10

Canção popular de improviso: Éden, vómito, Abergil *




* (pelo Rancho Folclórico de Ashdod)


a pedra espia uma mulher
muito doce em sua farda
pedra suja e pervertida
não vês beleza em tanta vida

Refrão (x2): pedra suja e pervertida
sou beleza em pouca vida


tantos corpos alinhados,
já estão cegos em sentido,
minhas poses para namorados,
arrasam o homem apodrecido

Refrão (x2): pedra suja e pervertida
sou beleza em pouca vida


sei da guerra por decretos,
faço fotos divinais,
encho o papo a analfabetos
podem vê-los nos jornais

Refrão (x2): pedra suja e pervertida
sou beleza em pouca vida


agora querem condenar-me
corro mundo em cabeçalhos
eis a dor a procurar-me
- mas que carga de trabalhos

se for morta aos vinte e dois
declarai amor à guerra
tudo se torna estrume em terra
tanto homens como bois

Refrão (x2): pedra suja e pervertida
sou beleza em pouca vida


pedra suja e desprovida
és testemunha corrompida.

13.8.10

Luz. Contra-luz.




Digo: Lâmpada. Muitas línguas estrangeiras, uma por cada estrela cadente, muita luz em Lisboa, boa, voa, voa, e um sol canino a ceifar rios no Japão. Não vi. Diz-se: Tivesses visto.