29.11.04

Trombar II

Resta-nos ainda tinta (para a "Paixão")?
Também eu gosto de desenhar palavras: letra a letra, uma após outra. Enchê-las de curvas, de insuportável elegância.
Paixão é o nome que os meninos chamam aos amigos-elefantes quando não os têm.
Os dias consavam-se ("Mãe, porque desaparece o sol sempre que o tento abraçar?") e lá vinha, operária descalça, a Noite. Era um menino que na dimensão de sonhar atirava bolas ao ar: tentava acertar em estrelas e astros com trombas.
As noites cansavam-se ("mãe, porque não me acordas com um abraço?") e surgia, renovado de boné roto, o Sol. E a mãe-pós-pergunta é toda lágrima: um triste mar arrastando-se pelas pedras da casa, a mãe-sem-resposta.
Era só um elefante que ele queria, Pai distraído que apenas mosquito lhe deste; Pai que entras na história e, talvez por isso, não a sabes ler.
"Quando for grande? Quem disse que alguma vez vou querer ser grande, professor?". E afinal não os havia na sala de aula. "Estou é cansado de ser só".
Campaínha: o seu toque siginficava que, lá fora, o mar se misturava com o nevoeiro. Cinco da tarde. E que as pessoas que fingiam não existir nessa altura não existiam mesmo. Algo que só as gaivotas sabem: voar, bater asas exaustivamente, fechando círculos com curvas: as mesmas com que desenham palavras, letra a letra, lágrima pós outra.
Resta, menino doce. Resta-nos.

26.11.04

Trombar




Vou contar uma história. É uma mania que tenho. Peço desculpa por isso, mas vou contar uma história.
Ele tinha seis anos e brincava com três brinquedos. Apenas três brinquedos desde os quatro anos. Uma bola, uma bola mais pequena e um Fiat Panda em miniatura já sem rodas. Nunca lhe deram outros e era com esses três que brincava. Observava-os insistentemente, dia após dia, imaginando um elefante. "Não consigo, nunca conseguirei!" e começava a espalhar pela terra castanha lágrimas tão tristes e tão livres que o deixavam rodeado por famílias inteiras de arco-íris. Queria fundir os três brinquedos num só: queria construir um elefante: queria que alguém lhe respondesse quando falava sozinho: queria um amigo. Ele que falava tantas vezes para ninguém. O eco ãe ãe ãe ãe ãe ãe ãe era a única resposta que obtia da questão, ainda multicolor, "Onde está a Mãe?". Estava no Mercado. A vender fruta da qual só comia a versão podre.
Brincava com três brinquedos e tinha seis anos. No papel da matrícula para a escola tentava desenhar elefantes e suspirava. Imaginava a sala de aula cheia de trombas e orelhas gigantes. O professor como o elefante maior e com roupa de circo. "Não consigo, nunca consiguerei!" e logo o socorriam arco-íris. No papel apenas desenhos de gravatas e fatos-de-casamento ("Mãe, o pai casa-se todos os dias?") porque se lembrava, não se esquecia do pai. ai ai ai ai ai ai ai ai ai ai, "Onde está o pai?".

*** continua ****

18.11.04

Até Sempre, Haddock

Acabaram-se os nicks. Nada contra. Nada a favor. Sou quem sou, com um nome. E é com esse que vou assinar. Sempre. Sem máscara. Mas repito: Acabaram-se os nicks: Nada contra. Nada a favor.
Até sempre, Haddock.
Agora eu.

15.11.04

Título? não quer ter.

É salgada? Talvez seja. Sei que quer tanto, que foge de todos porque os quer tanto. É um lugar diferente, esta lágrima que gemo. Porque não acontece mais o que aconteceu tudo tão depressa. Podia ser uma questão, mas já não tenho paciência para essa dor, para as inconscientes demagogias de teclado que já nem eu, o próprio autor o genial criador de olhares fora-do-prazo de raivas com vontade de me matar, controlo. Já nem sei quem fala por mim. Sei que palavras e o não saber para onde ir. E depois choro. Talvez seja salgada mas agora é a solidão. E a fragilidade descendo-me na face. Rosto-rio de tanto amor, uma música mais afiada, lâmina cortante, Sigur Rós por exemplo, e é ver-me patinar nas valas-comuns, nestes fragmentos que não sei, na vontade de tudo geralmente espremida em fuga. Como as laranjas e as cebolas que choram as donas de casa. Eu choro sal e a inevitabilidade de desaparecer no Mar. Choro Fado e aguardo pacientemente a asfixia, das cordas de guitarra, dos portos de desabrigo, ou do fundo desse poço onde me encontras sem me ver. Talvez não seja salgada,
mas bem próxima do fim,
a lágrima que eu
(o génio, uma porcaria de nada, autor vomitando palavras, o sujo)
não sabendo o que dizer,
prefiro chamar de puta e imaginar de salto alto e saia pelo pescoço, descendo-me na face e queimando-a. Como lava de um vulcão no seu décimo terceiro enfarte.
Porque, sim, tudo indica que seja salgada. E que volte.

4.11.04

Sobre George W

Temos vencedor, é ele: o grande. Ele disse: agora é que é. A democracia não é o caminho para a liberdade. Perdão... ou melhor, a democracia é isso que não consegui dizer, ou que disse, em nome disso. E logo se agitaram bandeiras, entre gritos histéricos e cérebros lavados. Deus não os abençoou porque anda a dormir. Porque, coitados, bem estavam a precisar.
Era um elefante e um burro. O Eminem (esse exemplo de consciência social) estava contra tudo mas queria votar, o Kerry não estava certo de querer ganhar. O seu grande trunfo era, precisamente, o facto de não ser o Bush. Mas de nada lhe valeu. O Burro não foi capaz de dar o coice.
Temos vencedor. É o fim. Os Homens estão doentes, crescem demasiado, batem com a cabeça no tecto, ficam com galos de corrupção e mais vampírica sede de poder.
Aprisionaram-nos, é o fim.