29.11.04

Trombar II

Resta-nos ainda tinta (para a "Paixão")?
Também eu gosto de desenhar palavras: letra a letra, uma após outra. Enchê-las de curvas, de insuportável elegância.
Paixão é o nome que os meninos chamam aos amigos-elefantes quando não os têm.
Os dias consavam-se ("Mãe, porque desaparece o sol sempre que o tento abraçar?") e lá vinha, operária descalça, a Noite. Era um menino que na dimensão de sonhar atirava bolas ao ar: tentava acertar em estrelas e astros com trombas.
As noites cansavam-se ("mãe, porque não me acordas com um abraço?") e surgia, renovado de boné roto, o Sol. E a mãe-pós-pergunta é toda lágrima: um triste mar arrastando-se pelas pedras da casa, a mãe-sem-resposta.
Era só um elefante que ele queria, Pai distraído que apenas mosquito lhe deste; Pai que entras na história e, talvez por isso, não a sabes ler.
"Quando for grande? Quem disse que alguma vez vou querer ser grande, professor?". E afinal não os havia na sala de aula. "Estou é cansado de ser só".
Campaínha: o seu toque siginficava que, lá fora, o mar se misturava com o nevoeiro. Cinco da tarde. E que as pessoas que fingiam não existir nessa altura não existiam mesmo. Algo que só as gaivotas sabem: voar, bater asas exaustivamente, fechando círculos com curvas: as mesmas com que desenham palavras, letra a letra, lágrima pós outra.
Resta, menino doce. Resta-nos.

1 comentário:

  1. Quando for grande, quero escrever assim, como tu. Ao pai, elefante, à mãe, gaivota...
    Aos amigos... Sempre!

    Um grand'abraço!

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