29.1.07

A menina do quadro







Na cama também nasce uma flor, despenteada no cabelo, de amanhecer espantado nos olhos. Não é ter sono, é a varanda virada para os barcos da noite. Num escuro tão denso que cada onda é um problema auditivo e o oceano um violento ruído de sal. Mesmo assim, adormece. Cabeça apoiada à esquerda, suspensa no travesseiro alto, à espera que, lá em baixo, junto ao estremecer da parede da janela, passe o último comboio para a madrugada. Mesmo assim, não é seguro que durma inteira. O corpo descansa por turnos e é a vez dos olhos se abrirem e os lábios também. O bater de dentes porque a carruagem já atravessou o frio a 60 à hora e deixou-lhe o corpo a gemer de viagem. Mudança de turno. Mesmo assim, não é seguro que tenha acordado sem excepções. É a vez das mãos tactearem o espaço, três palmos à esquerda, do lado onde melhor assenta o rosto, encontra a boca traçada na linha imaginária ligeiramente diagonal à sua. É doce, porque provou. E mesmo assim dorme e mesmo assim é seguro que beije.

6 comentários:

  1. Desta janela vê-se o mundo todo. Não é como do meu prédio... Aqui também há mar. A janela enche-me os olhos até ao fundo, por isso consigo ver mais da risquinha branca que separa o céu do mar e o mar do céu. Se mantiver os olhos semi-fechados, vejo as cores mais confusas e a risquinha desaparece... e assim parece só céu ou só mar. Gosto de meter nos meus olhos todo o céu que couber.

    :)

    Beijinhos*

    ResponderEliminar
  2. beijinhos, sílvio. não digo mais nada. a vanessa já disse tudo... *

    ResponderEliminar
  3. Na cama também nasce um sonho. Acordado pela escura manhã que busca uma luz que ainda não existe, nem quer. Os olhos cerrados teimam em olhar o sangue das palpebras ainda coladas pelo doce salivar de um sono aflito. O corpo deixa-se ficar na ausência de um interior, preso numa cela alucinogénica que gira a tal rapidez que não se vê. Apenas se sente!

    Beijinhos Silvio!!!

    Marta Cóias

    ResponderEliminar
  4. O poder da entrega é fantástico. Belo (como sempre).

    ResponderEliminar