
Na cama também nasce uma flor, despenteada no cabelo, de amanhecer espantado nos olhos. Não é ter sono, é a varanda virada para os barcos da noite. Num escuro tão denso que cada onda é um problema auditivo e o oceano um violento ruído de sal. Mesmo assim, adormece. Cabeça apoiada à esquerda, suspensa no travesseiro alto, à espera que, lá em baixo, junto ao estremecer da parede da janela, passe o último comboio para a madrugada. Mesmo assim, não é seguro que durma inteira. O corpo descansa por turnos e é a vez dos olhos se abrirem e os lábios também. O bater de dentes porque a carruagem já atravessou o frio a 60 à hora e deixou-lhe o corpo a gemer de viagem. Mudança de turno. Mesmo assim, não é seguro que tenha acordado sem excepções. É a vez das mãos tactearem o espaço, três palmos à esquerda, do lado onde melhor assenta o rosto, encontra a boca traçada na linha imaginária ligeiramente diagonal à sua. É doce, porque provou. E mesmo assim dorme e mesmo assim é seguro que beije.