4.1.11

não durmo.



São seis da manhã e não consigo dormir.
Lá fora, vultos de homens, serpentes da madrugada,
ajeitam o nevoeiro e expõem no chão os seus objectos mais íntimos.

Lisboa lá fora, a vender-se às fatias por um pedaço de pão.
São seis da manhã e ainda não há fregueses. O dia começa no copo de martini
e na sandes de morcela. Começa no escuro. E não os vejo com medo.

São seis e catorze da manhã e faz frio por oposição. Hoje já não durmo.
O jardim ainda está fechado aos peões mas os homens já lhes preparam armadilhas.
A intimidade: colecções de cromos do Mundial de 86, Diamantino, Valdano, Tigana, Rummenigge, filmes em VHS, usados, pornográficos mas-não-só, livros lidos e não lidos, livros que não lembra ao diabo ler, colecções de chávenas de café, carcaças de computadores portáteis, a chupeta do meu mais novo...

Manhã escorrega no rasto de caracol. Já que não dormes ao menos que se faça luz. Manhã demorada. Ainda seis e trinta e um e hei-de ter muito sono às dez.
Lá fora, o barco para o Barreiro já fez três travessias do Tejo. Visto daqui é uma luz vermelha com muitas pessoas por dentro. Carros em pânico procuram os últimos lugares de estacionamento e duas carrinhas a abarrotar vomitam caixas de sapatos.

São seis e quarenta e oito da manhã num quarto andar da Feira da Ladra.
Hoje vendo a minha alma ao diabo para, às dez, lhe comprar uma pastilha de lucidez.
Todo o dia de hoje lá fora, já com tiques de aldrabão.

2 comentários:

  1. Anita Ana Paz04/01/11, 13:49

    Quando não se dorme fica-se mais acordado. Ainda bem! Ainda bem que escreves olhares.

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