27.1.09

Canção majestosamente tragada pela hesitação

Para quê escrever o que não sou se as tuas mãos continuam doces?

Não há ninguém mais chato que o homem que não o é
e, ainda assim, quer ser tudo, escreve tudo como se o fosse.

Tudo o que digo sem o escrever não deve ser levado muito a sério. Está escrito.

É nas tuas mãos onde não poucas vezes adormeço,
embalado como o menino de todos os mimos do mundo.
É desses dedos que sai toda a palavra, ainda que breve, desordenada pela tempestade,
ainda que assinada por mim.
Arrancam-me palavras do corpo, na agitação do escuro espantado:
Se não amasses tanto, amanhã não amanheceria. Escreve o escuro espantado.

Para quê escrever todos os minutos, alimentar um simulador de paixões
(nome menos usual para a impotência da memória)
se só me interessa o que sou
e não sei ser nem metade da palavra do meu nome
sem a tua boca
e a minha boca na tua mão?

16.1.09

Metro Amarelo Azul

Vamos de burro ou de táxi?
Vamos em frente, bicos das botas no sítio, três luzes acesas no telemóvel a carvão
e a viagem que é uma avenida loura a roer as unhas
e a avenida que é uma tira de texto arrancada ao frio.

Há quem adormeça em movimento para não ter que ver o chão que pisa,
há quem limpe o chão para aliviar o peso dos passos.

Hoje, de vassoura em punho e tinta no papel dos segundos livres,
correspondo com a tempestade
escrevo para uma estatua egípcia
lambo o selo
imploro para que venha ver-me.

Vamos de burro, com flores, enfeitar o coração da estátua.

14.1.09

Hoje

14 de janeiro
todo o santo dia bateram à porta.
não abri, não me apetece ver pessoas, ninguém.
escrevi muito, de tarde e pela noite dentro.
curiosamente, hoje, ouve-se o mar como se estivesse dentro de casa.
o vento deve estar de feição.
a ressonância das vagas contra os rochedos sobressalta-me.
desconfio que se disser mar em voz alta, o mar entra pela janela.
sou um homem privilegiado, ouço o mar ao entardecer.
que mais posso desejar?
e no entanto, não estou alegre nem apaixonado. n
em me parece que esteja feliz.
escrevo com um único fim: salvar o dia.

Al Berto