20.10.08

Inédito - Capítulo Dois

A NAÇÃO


Lidera destacadamente todas as estatísticas. É um exemplo a ter em conta internacionalmente. Por exemplo, em documentos: ali está, naquela nação, a lista evidente de tudo o que não se deve fazer. Outro exemplo: tais por cento de emprego instável, mais de desemprego. Outro: telemóveis. Outro: maior taxa de imobilidade interna. Último: as estradas de sangue.

O governo é composto por um ditador que já morreu, controla as decisões e as contas do Estado por videoconferência a partir de Demasiado Longe Para Voltar – o país dos que morrem. Composto por um ditador e os súbditos que desgovernam como podem um país original.

Aconteceu isto:
O mundo levara um safanão de uma crise económica grave. São cíclicas, mal ou bem os livros explicam. Foi há setenta anos, altura em que a actual magistratura política de mortos-vivos subiu ao poder. Impunha-se uma visão estratégica, coragem política, ilusionismo puro. O problema só pode ser um, argumentava o governo e advertiam os padres nos sermões: as pessoas certas estão em locais incertos. E começou a deslocalização de trabalhadores. Agricultores foram retirados das searas, são bons é no departamento de finanças. Poetas impedidos de escrever foram simpaticamente obrigados, perdão convidados, a assumirem a foice. Bailarinas para os mercados de fruta. Vendedores para a gestão de teatros. Gestores para a informática. Matemáticos para o socorrismo e jornalismo. Lâmpadas para o amanhecer, jornalistas para as pescas, médicos para a estatística, talhantes para a medicina, afilhados para a cozinha do padrinho, cozinheiros para a manicura, afilhados para os tachos da cozinha do padrinho, licenciados para onde calhar, afilhados para os tachos da cozinha do padrinho do governo, filhos-da-mãe para a pátria-mãe. Vindimeiros para a poesia. O poema:

Pisava as uvas descalço nem que
Me arrancassem o coração em terra
Um dia arrancaram-mo mesmo
Para que fizesse ferida nesta canção.


Plantações de trigo e arroz convertidas em árvores de magnólia, longas extensões de tulipas. Passeios calcetados com estratos de contas bancárias. Fruta embalada em sacos plásticos, esmagada pelo ecstasy da coreografia contemporânea de embalamento de fruta. Situação do nível da água do mar publicada em boletins actualizados ao minuto, cardumes esquecidos na escrita. Projectos de lei aprovados com panasquice. Meteorologia calculada com filtros de mudar o óleo. Teatros cheios de público que vai ver qualquer coisa. Neste fim-de-semana morreram 300 pessoas durante as consultas médicas, 73 por cento da quais de uma faixa etária entre os 45 e os 70 anos, 56 por cento do sexo feminino. 58 por cento, segundo novos dados. Bitoques de colesterol em todas as mesas. Matemáticas Belas com desfibrilhador nas mãos, na emergência médica.


Quando os socorristas chegaram ao local, a poça líquida era já vermelha e não entrava luz pela janela. A menina faz-tudo ainda não fez nada relativamente à reparação dos estores.

Não respira, ganhei eu a aposta.

Do interior de uma porta dourada, com ramos de azevinho talhados na madeira, sai o presidente da empresa de mãos no bolso e um palito entre o bigode. Onde está o nosso candidato? Está a apetecer-me humilhar alguém numa entrevista. Depois de se inteirar da situação, elogiou os paramédicos pelo excelente desempenho e pediu-lhes simpaticamente que levassem aquele que não se chama João de maca para a sala de entrevistas.


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