Lisboa, 14 de Novembro de 2012
A meu lado, José erguia um ramo de flores.
Atrás de mim, o Coro da Achada cantava como se fosse livre de cantar na rua. Por todo o lado, gente de todas as idades, indignada e pacífica.
Saibam, senhores, que há gente vê “firmeza” e “serenidade” numa agressão aleatória ao seu próprio povo.
Saibam, senhores, que é essa gente que vos governa.
Saibam, senhores, que o sangue dos vossos iguais ainda ferve nas ruas que hoje pisais.
Nós não fugimos. Com a sorte da cabeça intacta abraçados aos que vertiam sangue. Com a dor da cabeça em sangue abraçados aos que choravam incrédulos. Com as lágrimas dos que choravam abraçados aos que gritavam animais-filhos-da-puta-assassinos-selvagens.
Nós não fugimos. Fomos expulsos, coagidos, ameaçados, agredidos mas nós não fugimos.
Soubemos que do outro lado, noutras ruas, outros como nós eram perseguidos e agredidos um a um – autêntica guerrilha urbana – e não fugimos. Num canto mais calmo, menos numeroso, é certo, mas não fugimos. Vimos raiva nos olhos escondidos pela viseira do capacete, vimos o desespero de alguns polícias “vão-se embora daqui, por favor”, impotentes, contrariados, possuídos por instruções de violência.
Nós, a multidão, não agredimos nenhum polícia, tentámos convencer quem o fazia a parar. Eles viram. E agradeceram de um modo muito peculiar.
Nós não fugimos do nosso destino, do nosso futuro, mesmo que – no imediato – o futuro tivesse a forma de um bastão, mesmo com sangue a descer a face, nós não fugimos e havemos de fazer um país.
Não fugimos da dignidade, em nome da menina que chorava sôfrega de pânico. (Ela não fez nada!)
Não fugimos da justiça, em nome do rapaz em sangue que perguntava insistentemente “porquê, porquê?”. (Ele não fez nada!)
Não fugimos da verdade, por nos terem expulso da nossa própria casa com um aviso mudo de dispersão com cinco minutos de antecedência, que soube pelas TV´s. (Nós não ouvimos nada!)
Não fugimos do compromisso de vos derrotar senhor governo, em nome das duas senhoras de 60 anos derrubadas e pontapeadas sem critério. (Elas não fizeram nada!)
Hoje, as bastonadas continuam: pedradas record de desempregados, pedradas record de impostos, empurrões e pontapés nos custos de saúde, educação…
Amigos autoritários, não tereis alternativa senão a derrota, a queda monumental. Não vamos fugir mas temos um audacioso plano de fuga: vocês saem silenciosamente. Nós ficamos a construir um país.